Artigo de opinião

Pesquisa na iniciativa privada: Relato de experiência como estagiário


1 7min

Escrito por Eduardo Silva Coqueiro em 26/06/23.

Paravras chave :

Carreira,

Academia,

Indústria,

Pesquisa na iniciativa privada: Relato de experiência como estagiário

Atualizado em: 27/06/23

Quando se pensa em um pesquisador no Brasil, frequentemente essa imagem é associada a alguém presente na academia, sobretudo porque grande parte do trabalho científico no nosso país é feito de fato pela iniciativa pública. No entanto, esse não é o único caminho passível a ser seguido por alguém que queira realizar pesquisa, com o Brasil entrando cada vez mais na rota de inovação de grandes empresas, como a IBM, DuPont, Vale, Pfizer, Thermo Fisher e outras, a atuação direta no setor privado vem se tornando uma realidade, e é justamente sobre isso que iremos falar no texto de hoje.

O contraste aparente entre investimento na ciência do setor público e privado é algo que pode ser visto em diversos contextos. Na aclamada série de Televisão “The Big Bang Theory”, acompanhamos a história de uma das personagens, a Bernadette, que ao terminar seu Ph.D em microbiologia consegue um emprego em uma indústria farmacêutica, passando a receber um salário extremamente alto. Para um telespectador que não pertence ao ramo acadêmico, esse é um episódio corriqueiro da série, mas para nós que estamos no campo da ciência, esse acontecimento desperta um questionamento muito grande:

A Bernadette que durante o desenvolvimento do seu Ph.D se via na necessidade de trabalhar como garçonete para complementar a renda, tendo em vista que sua bolsa não era o bastante, ao optar pelo emprego na iniciativa privada passa a ter um conforto financeiro muito maior.

Para além da ficção, no nosso contexto, muitas vezes os trabalhos realizados por alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado também não são tão valorizados como deveriam. Para inicio de conversa, um pós-graduando não tem carteira assinada, e portanto não tem certos direitos, a despeito da sua dedicação integral ao trabalho e sua importância para o avanço da ciência no Brasil. Além disso, com os cortes orçamentais nos últimos 4 anos, o número de bolsas (o equivalente ao salário do pesquisador) sofreu uma grande redução, e a pesquisa brasileira vai sentir os efeitos desse período por um bom tempo. Tudo isso fez e faz pesquisadores brilhantes se questionarem diariamente em relação ao seu futuro como pesquisadores ou optem por sair do país e migrar para outros lugares em busca de novas oportunidades.

No entanto, uma escolha que pode-se cogitar com a crescente da pesquisa e desenvolvimento no setor privado é sair diretamente da graduação para a área da pesquisa, uma oportunidade que eu venho tendo como estagiário de uma grande multinacional produtora de celulose, que também tem pontos a serem considerados.

O que me levou ao estágio no setor privado?

Antes de mais nada, gostaria de ressaltar que esse relato é restrito a experiência de um estagiário que passou grande parte da sua graduação no laboratório, e que pode não ser a vivência/visão de outras pessoas sobre a situação, mas aqui buscou-se compartilhar um pouco desse relato gerando reflexões sobre a temática.

Tendo experienciado uma faculdade pública, cabe salientar que frequentemente em graduações acadêmicas, quando falamos em estágio, somos direcionados a experiências em laboratório ou a centros de pesquisa maiores das universidades brasileiras. E isso, em nenhum momento, é uma experiência menos valiosa para o estudante de graduação, muito pelo contrário. Esse, inclusive, foi um direcionador em um momento inicial e é uma experiência que agregou muito. Cabe destacar também que essa pode não ser a experiência em faculdades particulares, que muitas vezes tem uma capacitação de fato voltada mais ao mercado, ou até mesmo em outras universidades públicas que vivenciam realidades diferentes. De toda forma, a discussão continua sendo válida e segue sendo um ponto chave de debate.

Nesse período, desenvolvi projetos de pesquisa na área de Biotecnologia vegetal, e estágios nessa área e particularmente sempre pensei em mim como sendo um pesquisador e professor (duas coisas que frequentemente andam juntas no nosso país) no futuro, e segui com esse pensamento até o meio da graduação, pois sou completamente apaixonado pelo fazer científico e via essa como uma das únicas possibilidades.

No entanto, ao vivenciar de perto o que a academia proporciona em sua vivência para pesquisadores mais velhos do que eu, comecei a pensar se de fato esse era o direcionador que eu gostaria de levar para minha carreira, e encontrei a iniciativa privada que mescla meu amor a pesquisa com melhores condições de trabalho como uma possibilidade. Na minha faculdade, e em especial no meu curso, temos que fazer dois estágios durante a formação, sendo que eu decidi que um deles iria ser em uma empresa do setor privado para que eu pudesse ter melhores conclusões sobre o assunto por contra própria.

E como está sendo minha experiência:

Particularmente eu fiquei surpreso com os aspectos que tenho que lidar dentro do meu trabalho, a semelhança com projetos de pesquisa que eu desenvolvi durante a graduação é bem similar no quesito de organização e prazos. No entanto, no setor privado a cobrança é bem maior quanto aquilo que deve ser feito, pois os investimentos e recursos injetados também são bem maiores e se estabelecem metas numéricas de produtividade dentro da rotina do trabalho realizado.

Muitos dos aspectos que aprendi durante a graduação, em especial no laboratório, vem me sendo extremamente úteis no cotidiano da empresa. Na indústria uma visão sistemática e curiosa sobre os aspectos é extremamente valorizada, e quem mais teria uma visão assim, além de pesquisadores? É claro que como estagiário tenho responsabilidades bem menores, e dei a sorte de cair em uma empresa com uma equipe extremamente competente e formada por muitas pessoas com vivências similares a minha, o que torna a minha experiência mais facilitada.

No que tange as diferenças, por ser uma empresa grande, frequentemente eu tenho que me comunicar com outros segmentos e áreas, e há uma grande interdependência entre as áreas para que tudo possa funcionar. Na vivência laboratorial, sempre tive uma valorização muito grande da minha independência, estando a frente da minha linha de pesquisa. Aqui, por conta da segmentarização das tarefas, há uma dependência bem grande, que acaba gerando uma colaboração muito grande também.

Grande parte das diferenças seguem por esse caminho, enquanto a vivência na pesquisa foca, mais não estritamente na minha habilidade técnica, aqui, no meu segmento de pesquisa há um casamento entre esse conhecimento técnico e softskills que tenho que desenvolver o tempo todo, a exemplo da comunicação assertiva e não agressiva com outros segmentos, para que possamos fazer com que a empresa vá para frente. E ambas são habilidades enriquecedoras profissionalmente.

Concluindo

Em essência sempre vi o trabalho que realizava no trabalho com uma paixão imensa por ter plena consciência de que aquilo que eu fazia em bancada poderia ter o poder de mudar o mundo, e tive medo de perder isso ao ir para o setor privado. Felizmente isso não aconteceu, frequentemente somos lembrados do quanto nosso trabalho pode mudar o nome, sendo que isso está até mesmo nos valores da empresa.

Essa experiência positiva que venho tendo faz com que ingressar no setor privado ao final da graduação possa ser visto por mim, que sempre se imaginou como pesquisador, como uma possibilidade real.

Volto a frisar que essa pode não ser a vivência de outras pessoas que tentaram a experiência no setor privado, e que em nenhum momento o objetivo é ver com demérito a carreira acadêmica, muito pelo contrário, aqueles que seguem esse caminho mesmo com as barreiras que encontramos em nosso país atualmente, são pessoas que possuem minha verdadeira admiração e respeito, e acredito no que o pesquisador Carl Sagan disse, que a ciência deve ser vista como uma vela na escuridão, e penso que aqueles que seguram a vela devem ser extremamente valorizados e respeitados.

Eduardo Silva Coqueiro

Eduardo Silva Coqueiro


Graduando em Biotecnologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) é atualmente estagiário em melhoramento vegetal pela Suzano. Desenvolve trabalho de iniciação científica nas áreas de Biotecnologia verde e bioinformática, buscando alternativas ao uso de agrotóxicos em lavoura. Faz parte de diversas iniciativas no âmbito da divulgação acadêmica e tem ampla experiência em produção de infográficos e diagramação, além de experiência como programador


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